segunda-feira, 1 de agosto de 2016

O grande Cisma e o nascimento da Igreja Ortodoxa

O grande Cisma e o nascimento da Igreja Ortodoxa
Elemento central da identidade nacional russa, o cristianismo ortodoxo nasceu do chamado "Grande Cisma", de 1054. Nesse ano, o papa Leão IX excomungou o patriarca de Constantinopla, Miguel Cerulário, que por sua vez excomungou o pontífice romano.
Desde então, surgiram dois cristianismos: o ortodoxo, que é mais "oriental", mais "primordial", mais próximo das origens da religião; e o catolicismo, que é mais "imperial" e europeu. Esses aspectos podem ser facilmente observados na arquitetura, na arte religiosa e nas vestes dos sacerdotes e religiosos de cada vertente. Os padres russos, por exemplo, usam compridas batinas pretas, chapéus especiais e longas barbas. Além disso, a Igreja Católica se deixou influenciar pela abordagem racionalista e individualista da Renascença (séculos XV e XVI) e da "filosofia das Luzes" (século XVIII), algo que não se verificou no cristianismo oriental. Em seu livro Remembering in a world of forgetting (Lembrando em um mundo de esquecimento), o escritor britânico William Stoddart traça um interessante paralelo entre as vertentes do cristianismo e do is-lamismo: segundo ele, enquanto o catolicismo, mais "sóbrio" e racional, pode ser comparado ao Islã sunita, a ortodoxia, mais mística, se aproxima do xiismo.
A causa teológica fundamental da separação entre católicos ocidentais e ortodoxos orientais foi a questão do filioque: enquanto os russos e gregos permaneceram fiéis ao estipulado pelo Concílio de Nicéia (589), segundo o qual o Espírito Santo procede somente da primeira pessoa da Trindade, os católicos introduziram, a partir do século VI, na Espanha, a cláusula inovadora de que o Espírito procede do Pai e do Filho (filioque, em latim).
Outra discordância diz respeito à autoridade religiosa. Os ortodoxos não aceitam a superioridade do papa de Roma sobre os cinco outros patriarcas da Igreja Ortodoxa (de Moscou, Constantinopla, Jerusalém, Antioquia e Alexandria). Para eles, o papa é primus inter pares ("primeiro entre iguais"), mas não concordam que tenha a palavra final em questões teológicas, morais ou disciplinares. Ele não poderia, por exemplo, ter imposto o filioque ou o celibato sacerdotal a toda a Igreja. Ao contrário dos sacerdotes católicos, os ortodoxos podem se casar e ter filhos, e o celibato é restrito aos bispos e monges. No cristianismo oriental, o divórcio é permitido por motivos graves, e rejeitado pela doutrina católica.
Os ortodoxos tampouco aceitam dogmas católicos como o da infalibilidade papal ou o da existência do purgatório. No campo litúrgico, os cristãos ortodoxos seguem o rito de são João Crisóstomo, e os católicos, o rito romano. O sinal-da-cruz também é feito de forma diferente segundo a confissão: na ortodoxia, ele vai da direita para a esquerda, simbolizando o fato de que o cristianismo nasceu no Oriente e foi levado para o Ocidente - e também que Jesus surgiu entre os judeus, mas sua mensagem foi absorvida pelos gentios. No sinal ortodoxo, três dedos se juntam para representar a Trindade. No sinal católico o sentido é o inverso e a mão está aberta, perdendo o simbolismo trinitário dos dedos.

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Fonte:
Revista História Viva. Ano 5 - Nº 53 - Março de 2002. Duetto Editorial. São Paulo, págs. 34-35.

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